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Anónimo : O Livro das 1001 Noites
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Author: Anónimo
Title: O Livro das 1001 Noites
Copies worldwide:
1
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Published in: Portuguese (Portugal)
Binding: Paperback
Pages: 110
Date: 2017-7
ISBN: 9789899969575
Publisher: Expresso / Alêtheia
Latest: 2020/05/10
Wishlists:
1SpenserTruex (USA: VA).
Description: Volume 1 (de 7); Prefácio de Miguel Sousa Tavares; Ilustrações de Kruella
Reviews: Helena (Portugal) (2020/05/10):
Prefácio
A MAIOR CONTADORA DE HISTÓRIAS DE SEMPRE
Por Miguel Sousa Tavares

Se tivesse existido mesmo, Xerazade teria sido a maior contadora de histórias de sempre. Mil e uma noites a fio, ela contou histórias ao rei para salvar a própria cabeça — é essa a história de “As Mil e Uma Noites”, um dos livros de referência de toda a história da literatura mundial. Como este é o primeiro dos tomos do livro que o Expresso vai editar, julgo que se impõe começar por resumir minimamente a história.

O rei persa Xarir, da dinastia dos Sassânidas, descobriu que, nas suas ausências para a caça ou para a guerra, a sua mulher tinha por mau hábito adotar como amante um escravo negro. Desvairado pela raiva, Xarir cortou a cabeça a ambos, mas isso esteve longe de apaziguar a sua fúria vingativa: tendo concluído que todas as mulheres o iriam igualmente atraiçoar, passou a reclamar uma virgem todos os dias — com a qual casava à noite, desflorava de seguida e entregava ao vizir do reino, na manhã seguinte, para que ele a degolasse, antes que ela tivesse tempo de o atraiçoar. Aparentemente dotado de um notável instinto assassino e de uma não menos notável capacidade sexual, o rei dedicou-se a este macabro desporto três anos a fio, até que já não restavam praticamente mais virgens no reino para saciar o seu apetite por sexo e morte. Foi então que Xerazade, a própria filha do vizir, disse ao pai que se ia oferecer como voluntária para ser a próxima esposa do rei. O pai, desesperado, suplicou-lhe que o não fizesse, pois não se via a cortar a cabeça da sua amada e deslumbrante filha. Mas Xerazade insistiu, dizendo que tinha um plano para contrariar os instintos do rei e pôr termo àquela carnificina. Só pedia que Xarir aceitasse a presença, ao lado dela, da sua irmã mais nova, Dinarzade. E assim se fez, não tendo o pai conseguido demovê-la daquele passo para a morte. Mas Xerazade tinha, de facto, um plano, o qual envolvia a cumplicidade da irmã. Uma vez consumado o seu ‘casamento’ com Xarir, e antes que este se retirasse, Dinarzade pediu à irmã que lhe contasse uma das suas maravilhosas histórias. Intrigado, Xarir deixou-se ficar a ouvir e Xerazade esteve até altas horas da noite a contar uma história que ficou de terminar na noite seguinte, visto que o rei já estava a adormecer mas não queria que ela morresse antes de ele saber o fim da história. Enfim, já adivinham o resto: noite após noite, durante mil e uma noites, Xerazade inventava sempre uma história tão extraordinária que Xarir passou a encontrar mais prazer em escutar aquelas histórias do que em desvirginar e degolar virgens. Três anos depois, o casal tinha feito três filhos e Xarir adotou definitivamente Xerazade como sua única e legítima esposa. (...)

Voltando ao livro, em si mesmo, o que há para dizer é que ele confirma que todos os grandes livros contam uma grande história (este conta 1001)... E todos os grandes escritores contam grandes histórias. Há quem discorde e ache que se pode escrever um grande livro e ser um grande escritor sem ter, sequer, de contar história alguma. Mas eu estou com o espanhol Pérez-Reverte, quando há tempos dizia a um jornal português: “Esses escritores que só têm para nos contar os seus dramas pessoais e psicológicos, porque não vão antes ao psiquiatra e nos deixam em paz?”. “As Mil e Uma Noites”, além do testemunho da importância das histórias de cada livro, constitui também uma justíssima homenagem aos contadores de histórias orais: aos que as passam de geração em geração, até que alguém pegue nelas e as junte em livro, como aqui.

Quando me perguntam pelos meus escritores preferidos (uma pergunta sempre recorrente e de resposta sempre complexa), eu, para me defender, conto sempre esta história a que assisti na Praça Jemaa el-Fna, em Marraquexe. Um homem falava sem cessar para um grupo de outros homens e crianças que o rodeavam. Mais do que falar, ele interpretava o que dizia, com grande profusão de gestos e diferentes entoações, silêncios súbitos e gritos esporádicos. O que seria? Aproximei-me até perceber: era um contador de histórias, a quem, no final, os ‘leitores’ gratificavam conforme tivessem gostado mais ou menos da história ouvida. Era um profissional, não da escrita, mas da literatura oral — que foi onde toda a escrita começou. E agora o mais extraordinário de tudo: o homem era cego e, segundo me informei junto de um dos presentes, de nascença. Ou seja: aquele contador de histórias descrevia cenas, acontecimentos, paisagens, trovoadas, dias de sol, desertos atravessados, que jamais contemplara e que apenas podia tentar imaginar para poder reproduzir. O meu escritor favorito, desde então, passou a ser ele. Foi a visão mais próxima de uma Xerazade que me foi dado testemunhar.



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